Quem viveu a cena de metal nos anos 1980 deve lembrar com muito carinho daquela época. O frescor da cena, o surgimento de inúmeras bandas aqui e acolá, shows (mesmo que precários) lendários para a época e lançamentos icônicos marcaram um período no tempo que não volta mais. E entre estes lançamentos históricos está o disco tema deste artigo: Ninja, do Centúrias.
PRIMÓRDIOS
Antes de chegarmos a 1988, ano em que o discou viu a luz, é preciso contar como o Centúrias chegou até aqui. Formada em agosto de 1980 pelo baterista Paulão Thomaz, a primeira formação da banda contava com Eduardo Camargo (vocal), Paulo Roberto (guitarra), Cacá (baixo) e Aguinaldo Martins (teclado). Com o nome escolhido pelo jornalista Regis Tadeu, o Centúrias estreou nos palcos em outubro de 1981.
Ainda no início dos anos 1980, Guina Martins deixou a banda. A outra mudança no line-up foi a entrada de Marco Aurélio no baixo. Assim, como um quarteto, o Centúrias entrou no Estúdio Abertura e lançou, em 1983, a chamada Demo 1. Composta pelas faixas Minha Cidade, Dias de Luta, Grito da Razão e Última Noite, a tape foi produzida por Rolando Castello Junior, baterista da banda Patrulha do Espaço.
S.P. METAL E ÚLTIMA NOITE
O ano de 1984 foi de suma importância não só para o Centúrias mas também para inúmeras outras bandas. Dono de uma das lojas de discos mais importantes de São Paulo, a Baratos Afins, Luiz Calanca reuniu as principais bandas do estado nas icônicas coletâneas S.P. Metal Volume 1 e 2. Junto com Salário Mínimo, Avenger e Vírus, o Centúrias figurou no vol. 1 do LP com as faixas Duas Rodas e Portas Negras.
Apesar da oportunidade de ouro, o clima dentro da banda não era dos melhores e mudanças na formação ocorreram às vésperas das gravações para a coletânea. Marco Aurélio deixou o posto de baixista e foi substituído por Marcio Milani (que já havia passado pela banda antes), e Fausto Celestino assumiu as guitarras no lugar de Paulinho Roberto.
Mesmo com toda a atenção recebida por conta das faixas presentes no LP S.P. Metal, o Centúrias não conseguia estabilizar uma formação que permitisse à banda tocar de maneira regular por São Paulo. O vai e vem de músicos acendeu o sinal de alerta, pois havia a possibilidade da banda encerrar as atividades. Contudo, em meados de 1985, os ventos começaram a soprar positivamente quando Ricardo Giudice, guitarrista do Abutre, cruzou o caminho da banda.
Ricardo foi responsável direto pela reformulação do Centúrias. Ele indicou seu irmão Adriano (de apenas 16 anos!!!!) para o posto de guitarrista e Rubens Guarnieri para o baixo. Assim, com Paulão Thomaz e Eduardo Camargo completando o line-up, a banda gravou o EP Última Noite em 1986. Mesmo alcançando um status relevante na cena, o Centúrias caiu em um novo abismo por conta da inconsistência na formação.
NINJA
Àquela altura, muita coisa havia mudado dentro do cenário. O thrash e o death metal ditavam a cena no fim dos anos 1980 - em Minas Gerais, bandas como Sarcófago, Sepultura, WitchHammer e outros ganhavam projeção nacional; em São Paulo, Korzus e Vulcano eram os representantes da música mais extrema. Mesmo assim, aos trancos e barrancos e com uma sonoridade mais "leve", o Centúrias foi capaz de produzir um capítulo final digno para sua história.
Membro fundador e único remanescente da formação original, Paulão Thomaz foi à luta e recrutou um timaço para manter o Centúrias em atividade. O vocalista Nilton "Cachorrão" Zanelli (ex-Santuário e Aerometal), o baixista Ricardo Ravache e o guitarrista Marcos Patriota (ambos ex-Harppia) juntaram-se à banda, e com esta formação o Centúrias lançou um dos discos de heavy metal cantado em português mais importantes do metal nacional.
Em parceria com Roger Vilaplana, ex-Nostradamus, Thomaz compôs todas as músicas do tão aguardado debut da banda. O clima interno era o melhor possível e o baterista foi até Calanca, da Baratos Afins, e informou que o Centúrias estava pronto para gravar. Desta forma, em março de 1988, sob a batuta de Pepeu no Estúdio Guidon, o álbum Ninja enfim foi gravado.
O DISCO
Em direção contrária à tendência da época, o Centúrias se manteve fiel ao heavy metal puro e simples - e cantado em português - neste álbum histórico. Composto por 8 faixas, o disco é calcado no som clássico produzido na época por bandas como Judas Priest, Accept e Saxon. Havia uma áurea positiva em torno da banda e tudo funcionou de maneira cristalina.
O álbum abre com "cósmica" Animal, uma faixa que serve como uma introdução épica para o restante do disco. A partir daí, somos apresentados a uma série de canções que mostram a criatividade e habilidade técnica dos músicos - com um mais do que merecido destaque para o vocalista Cachorrão Zanelli que, com sua voz e timbre (e sotaque) característico, deu ao Centúrias uma nova identidade.
A ótima Guerra e Paz totalmente à la Saxon deveria ser tombada como patrimônio do heavy metal nacional. A sequência com Arde como Fogo (To Hell) é 100% influenciada pelo Judas Priest. Uma canção rápida, direta e com solos magníficos executado por Patriota. Outro destaque é Metal Comando, que reafirma a importância do Saxon na música do Centúrias. Vale uma conferida também em Cidade Perdida, com direito a licks melódicos e emotivos de Patriota.
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Infelizmente, Ninja foi o único álbum de estúdio lançado pelo Centúrias. Mesmo com o sucesso do disco, a banda sucumbiu e encerrou as atividades ainda em 1988. No entanto, o legado deixado por esse trabalho é inegável - e muito deste legado graças à persistência de Paulão Thomaz. Ninja é um álbum que representa a essência do heavy metal nacional nos anos 1980 e, não à toa, segue cultuado até hoje pelos amantes do metal cantado em português.
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O Centúrias retornou às atividades em 2012. No ano seguinte lançaram o single Rompendo o Silêncio e, em 2014, o DVD/CD Super Peso Brasil ao lado de outras lendas do metal nacional como Stress, Taurus, Metalmorphose e Salário Mínimo.
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