Há quatro décadas o Iron Maiden corria livre para o topo do Heavy Metal

* Texto originalmente publicado em abril de 2020 no Medium

Há 40 anos o Iron Maiden pôs no mercado seu primeiro disco autointitulado. Pérola do heavy metal mundial e um dos mais importantes do movimento conhecido como New Wave Of British Heavy Metal, este álbum foi o primeiro passo para que a Donzela fincasse seu nome no panteão dos gigantes dentro do estilo — feito conquistado dois anos depois com o icônico The Number Of The Beast.

Contudo, para contar a história do disco Iron Maiden é necessária uma rápida volta ao passado — ou “fase jurássica” como Dickinson gosta de chamá-la — para relembrar os passos dados pela banda até a assinatura de contrato com a EMI.

The Soundhouse Tapes e contrato com a EMI

Já com o nome consolidado no circuito de pubs londrinos, Steve Harris achou que era hora de finalmente o Iron Maiden ter uma demo tape. Entre os dias 30 e 31 de dezembro de 1978 e com apenas 200 libras para custear a gravação, a banda entrou no Spacewood Studios, em Cambridge, e produziu quatro músicas: Prowler, Invasion, Strange World e Iron Maiden. 

Mas como o dinheiro era curto e a banda não conseguiu retirar a fita master editada, Harris ficou apenas com algumas cópias das gravações sem qualquer tipo de mixagem. Só que uma dessas cópias foi parar nas mãos de Neal Kay, proprietário do pub Bandwagen Heavy Metal Soundhouse.

Em posse da demo, Kay resolveu tocá-la na integra em seu pub e a recepção foi surpreendentemente gigante. Em pouco tempo o Iron Maiden conseguiu superar nomes grandes do heavy metal britânico e a música Prowler figurou como a mais pedida entre os frequentadores do local. Graças ao sucesso, a banda “furou” a enorme fila de postulantes ao palco do pub e tocou por duas noites no Bandwagen. 

Nessa mesma época uma outra importante figura entrou no caminho da banda: Rod Smallwood. Com 29 anos, o novato empresário havia escutado a demo e se interessado pela banda. Assim, Rod programou-se para assistir dois shows da banda. Mas só viu um.

O primeiro, no The Windsor Castle em Harrow Road, nem chegou a acontecer. Harris recusou começar a apresentação antes que seus amigos chegassem do East End. O baixista pediu ao proprietário do pub que esperasse mais 15 minutos, mas o dono exigia que o Iron Maiden começasse a tocar pontualmente no horário marcado. Sem chegarem a um consenso e após pesadas discussões, a banda simplesmente desmontou o equipamento e foi embora. 

O segundo show, no The Swan, quase não rolou também. Já sabendo da presença de Smallwood na plateia, Harris estava uma pilha de nervosos porque o vocalista Paul Di’Anno havia sido detido com uma faca nos arredores do pub. Sem vocalista, Steve pensou em cancelar o show. Mas Rod entrou em cena fazendo com que a banda tocasse como um trio com Harris no vocal.

Maravilhado, Rod decidiu ajudar o Iron Maiden nos seus primeiros passos indo atrás de gravadoras para apresentar o som da banda. A gigante CBS recusara a procura de Smallwood alegando que as músicas não eram fortes suficientes para impactar no mercado. Sem se abater, o empresário bateu na porta da major EMI e, graças à sua habilidade, conseguiu um contrato excelente e longo para uma banda novata como a Donzela. 

Com o vantajoso contrato entre o Iron Maiden e EMI assinado, Rod Smallwood foi oficializado como manager em 12 de novembro de 1979. Ainda nesse mesmo ano, a banda lançou o EP The Soundhouse Tapes contendo três músicas em edição limitada de cinco mil cópias. A demanda pelo material era tanta que algumas cópias foram enviadas sem a capa — toda vermelha e com uma foto de Di’Anno sem camisa no palco do pub — com a promessa de envio assim que elas ficassem prontas.

Iron Maiden

Sem perder tempo após a assinatura do contrato com a EMI, a Donzela começou a movimentar-se para a gravação do seu primeiro disco. Para tal, uma nova mudança na formação. O guitarrista Dennis Stratton juntou-se à banda. Doug Sampson, que gravara a demo, foi demitido e para seu posto o Iron Maiden recrutou o baterista Clive Burr. No fim de 1979 a banda entrou no Kingsway Studios para dar início às gravações do álbum de estreia. 

Com pouca experiência de estúdio, a Donzela penou para encontrar um produtor para o seu debut. O primeiro, Gary Edwards, foi sacado pois a banda ficou insatisfeita com a qualidade da produção. O segundo, Andy Scott, foi mandado embora — e provavelmente para outros lugares — porque queria que Harris tocasse com palheta.

Já em fevereiro de 1980 e com o prazo dado pela gravadora estourando, Steve escolheu Will Malone para produzir o disco. Após 13 dias de gravações e orçado em 12 mil libras, o primeiro álbum da banda intitulado simplesmente de Iron Maiden ficou pronto e foi lançado em abril daquele ano. Os números foram expressivos e satisfatórios: 350 mil cópias vendidas em todo o mundo e quarto lugar no chart britânico.

Para promover o álbum a banda saiu em turnê como open-act do Judas Priest e do Kiss na British Steel Tour e Unmasked Tour respectivamente. Com os conterrâneos, o Iron Maiden tocou apenas pela Inglaterra. Já ao lado da banda norte-americana, a Donzela tocou fora do seu país natal pela primeira vez passando por Itália, Alemanha, Suíça e outros.

Eddie

A imagem que o fã do Iron Maiden conhece do Eddie surgiu em 1980 com o lançamento do primeiro do primeiro álbum. Antes disso, a banda fez suspense antes de mostrar a verdadeira face da mascote. No single Running Free, Eddie aparece oculto na sombra em um beco de Londres assustando um headbanger que corre desesperadamente olhando para trás.

O responsável por dar “vida” a personagem foi o artista britânico Derek Riggs, que em seu portfólio tinha um trabalho que agradou em cheio ao empresário Rod Smallwood. O desenho era de um ser de aparência assustadora, com um visual meio punk e um olhar frio e impactante. A inspiração foi uma foto vista por Riggs de um crânio humano em um tanque na Guerra do Vietnã. A única alteração pedida pelo Iron Maiden foi que Eddie ganhasse mais cabelo para parecer mais heavy metal e menos punk.

Logo em uma de suas primeiras aparições, Eddie causou polêmica. Na capa do single Sanctuary, lançado em maio de 1980, a mascote aparece com uma faca em mãos após atacar a ex-primeira ministra da Inglaterra Margaret Thatcher (conhecida pelo apelido Donzela de Ferro) depois dela ter arrancado um cartaz do Iron Maiden da parede. A capa foi considerada agressiva demais e as prensagens seguintes traziam Thatcher com uma tarja preta sobre os olhos.

O disco

Em se tratando de um primeiro disco, é possível afirmar que Iron Maiden apresenta um nível de bom para ótimo. A ideia de Harris é captar no álbum toda a fúria e vigor do Maiden ao vivo, mas como a banda penou na mão de produtores que não conseguiam entender a essência da banda, o disco entregou menos do que poderia entregar em aspectos técnicos de gravação — vide o som das guitarras que é muito aquém. Will Malone, o escolhido, mostrou que suas credenciais por já ter trabalhado com o Black Sabbath não adiantaram de muita coisa.

Harris declarou que “se tivéssemos pegado qualquer cara na rua e pedido para produzir, o álbum seria o mesmo, pois Will não fez nada”. Ainda segundo o baixista, a banda realizou todo o trabalho junto com o engenheiro de som Martin Levan que “era muito bom” e assim evitaram que Malone estragasse o disco.

Musicalmente falando o disco é uma caixa de pérolas. São hinos atrás de hinos, abrindo com as potentes Prowler e Sanctuary (segundo single ocupando o 29º nos charts), seguidas pela experimental Remember Tomorrow. A sequência apresenta uma dobradinha de fazer qualquer headbanger sorrir de orelha a orelha: Running Free, que foi o primeiro single (vendeu 10 mil cópias e ocupou o 34º lugar nos charts) e, por que não, o primeiro hit da banda; e a magistral Phantom Of The Opera com seu andamento todo intrincado e cheia variações rítmicas.

Curiosidade: Clive Burr garantiu seu posto na banda após tocar Phanton Of The Opera na sua audição. Já Dennis Stratton cavou sua demissão do Iron Maiden após ir ao estúdio junto com o engenheiro de som mexer na música. O guitarrista adicionou mais linhas de guitarras e alguns vocais que deixaram a música com uma cara mais "limpa".

A primorosa e instrumental Transylvania mantém o pique e os cabelos — de quem os tem — lá no alto a cada bangueada. A balada Strange World vem em sequência com uma belíssima linha de baixo de Harris e solos emocionantes da dupla Murray e Stratton. Destaque também para a grande atuação de Di’Anno nos vocais. Composição solo de Dave Murray, a empolgante e agitadíssima Charlotte The Harlot apresenta ao fã do Iron Maiden a primeira parte da saga envolvendo Charlotte, a prostituta, e prepara o terreno para o fim com a clássica faixa-título.

Apesar de todos os problemas de produção, é inegável que Iron Maiden é um marco na história não só do Iron Maiden como também na história do heavy metal. Clássico!