Pitando no Kombão: minha pré-adolescência com o Raimundos

*** Texto originalmente publicado no meu perfil no Medium em agosto de 2018 e respostado aqui em homenagem ao baixista Canisso, morto em 13/03/2023. 

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Nos anos 1990 o jovem podia tudo e essa era a máxima que prevalecia na época. Desta forma, crianças tinham acesso à coisas que, a princípio, eram para os adultos. E foi assim que, numa época em que tudo podia, eu conheci o Raimundos.

O primeiro álbum que ouvi foi o Lavô Tá Novo em fita K7. Pelo que me lembro a tape era de um primo mais velho que deixou com o irmão mais novo e assim ela chegou até mim. Devíamos ter no máximo 10 anos naquela época. E dessa forma descobrimos palavrões literalmente cabeludos.

O engraçado (?) é que ouvíamos a fita na frente dos nossos pais sem ter a menor noção do vocabulário das músicas. Lembro apenas deles fazendo caras de constrangimento a cada palavrão proferido. No entanto, ninguém parava pra dizer se era certo, errado ou o que eles significavam. Mas eu tomei muita bronca por ficar cantando Esporrei na Manivela como se fosse a coisa mais pura do mundo.

Pouco depois um amigo me emprestou uma K7 com o primeiro álbum da banda. Era uma fita BASF de 90 minutos com um punk/hard/forró-core mais indecente do que no segundo disco. A quantidade de palavrões por segundo cantado me deixou chocado. E já um pouco ciente do que cada impropério queria dizer, essa tape eu ouvia “escondido” no meu walkman (jovem, você sabe o que é walkman?).

Logo na sequência foi a vez do EP (também em formato de K7) Cesta Básica chegar em nossas mãos. Essa meu primo comprou na feira que tem na rua principal aqui do bairro. Lá fomos nós ouvi-la empolgados. Mesmo sem noção do que isso poderia significar, posso dizer que já éramos fãs. Pois bem, a versão +18 de Cajueiro/Rio das Pedras gravada no saudoso Hollywood Rock 1996 foi responsável pela cota de choque com as indecências.

Não consigo contabilizar de forma precisa o intervalo de tempo em que ouvi esses discos. O primeiro que ouvi, o Lavô Tá Novo, saiu em 1995. O “primeirão” é de 1994. O EP Cesta Básica foi lançado em 1996. Acredito que ouvi tudo isso em 1996 mesmo.

No fim desse ano a CNT/Gazeta transmitiria o show do Raimundos gravado no Olympia, em São Paulo. Sim, isso mesmo. O ‘show da virada’ era o show de quatro maconheiros declarados cantando suas canções pornográficas. Imagina o desgosto da tradicional família brasileira e os cidadãos de bem, hein?

Infelizmente nem vi o show. Aos 45 do segundo tempo meus pais decidiram passar o Ano Novo na casa da minha avó… Mas depois que tive acesso ao show (baixado em uma comunidade da banda no finado Orkut) dei graças a Deus por não ter visto lá na casa de vovó.

Em 1997 tive uma SURPRESA maravilhosa. Papai chegou aqui em casa com o CD do Lavô Tá Novo e disse que um colega dele comprou achando que era um disco de FORRÓ (pode acontecer). E assim ganhei meu primeiro álbum dos Raimundos, com direito a etiqueta da finada e saudosa loja Mesbla indicando o valor: R$ 12,90. Nem sei qual o nome desse sujeito e nem tive a oportunidade de agradecê-lo.

Nem preciso dizer que não existia internet, né? Assim, o único meio de informação aqui em casa — além de jornal — era a televisão. Estava junto com minha irmã assistindo TV e vimos o comercial do disco Lapadas do Povo no SBT. No dia seguinte, no mesmo horário, colocamos na emissora do homem do baú esperando novamente ver o anúncio e PLAU: lá estava a banda no finado Programa Livre do Serginho Groisman divulgando o disco. Era 1998 (o disco é de 97) e esse foi o primeiro disco da banda que comprei.

E sobre o que eu disse lá no começo sobre os anos 1990 ser a época do pode tudo: o programa começava por volta ali das 15h30 e os câmeras não faziam cerimônia em mostrar os pôsteres de mulher nuas colados nos amplis.

O Raimundos era, de fato, uma das maiores bandas de rock do Brasil. E o seu ápice veio em 1999 com Só No Forevis. O quinto álbum do quarteto de Brasília vendeu quase 2 milhões de cópias graças ao hit radiofônico Mulher de Fases. À essa altura, até minha mãe era fã da banda. Esse álbum eu ouvi primeiro na casa de um amigo, que me emprestou o CD para que eu fizesse uma cópia em fita K7 até convencer meu pai de comprar o CD pra mim.

Em 2000 o Raimundos ainda lançou um álbum duplo ao vivo pela MTV e esse eu ganhei num Amigo Oculto na escola. Eu estava na sétima série (não sei qual o seu equivalente hoje) e tinha 14 anos. Depois disso o vocalista Rodolfo entrou para a igreja e jogou o boné, a banda entrou em um período estranho e confesso que pouco me interessei pelo que eles produziram desde então.

Costumo brincar e dizer que o Raimundos — e o disco Lavô Tá Novo — moldou o caráter dos adolescentes nos anos 1990. O contexto ali era outro, havia uma aceitação com assuntos que hoje de forma alguma seriam bem recebidos — vide as letras de hoje em dia passarem longe das temáticas de outrora.

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