Orphaned Land: música como ferramenta de coexistência e paz

A música tem o poder de unir as pessoas, transcender barreiras culturais e transmitir mensagens poderosas. A banda israelense Orphaned Land é um exemplo vivo desse poder, usando sua música para promover a coexistência, a paz e a compreensão mútua no Oriente Médio, uma região historicamente marcada por conflitos étnicos e religiosos. 

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A Orphaned Land foi formada em 1991, na cidade de Petah Tikva, em Israel. A banda surgiu de um desejo comum dos amigos de infância (Kobi Farhi e Uri Zelcha) de combinar o peso do metal com a herança cultural local e abordar questões sociais. Liricamente, desde o início a banda toca em temas como a reconciliação entre os povos, a importância da união e a necessidade de superar as diferenças religiosas e culturais. 

Musicalmente, a Orphaned Land é conhecida por sua fusão única de estilos. Combinando elementos do death, prog e folk com influências da música tradicional do Oriente Médio, como a árabe e judaica, a banda recebeu o rótulo de Middle Eastern Metal. Com a adição de instrumentos tradicionais como oud e o saz e algumas faixas cantadas em hebraico e turco, a banda executa uma sonoridade muito particular. 

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O álbum de estreia Sahara (1994) já apresentava a fusão de estilos que se tornou marca registrada da banda. Em 2004, lançaram o aclamado Mabool: The Story of the Three Sons of Seven, um álbum conceitual que conta a história de três filhos (um para cada religião abraâmica - judaísmo, islamismo e cristianismo) que tentam alertar a humanidade sobre um dilúvio vindo como punição por seus pecados. 

Em entrevista ao jornal britânico Independent, o vocalista Kobi Farchi falou sobre a inserção de temas ligados à religião na música da Orphaned Land

"Sempre escrevemos sobre nossa religião, desde o primeiro dia em nosso sistema. Já em 1994, colocamos uma mesquita na capa de nosso álbum, uma coisa muito incomum de se fazer (especialmente se você é uma banda de metal) e em nossas letras de The Sahara's Storm e The Storm Still Rages Inside tocamos nisso".

Outros destaques da discografia incluem The Never Ending Way of ORWarriOR (2010), que contém uma mistura ainda mais complexa de influências, e All Is One (2013), que reforça a mensagem de unidade e paz. O álbum mais recente do Orphaned Land é Unsung Prophets & Dead Messiahs (2018).

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Politizada ao extremo, a Orphaned Land vem tentando mudar o panorama com relação às inúmeras questões (principalmente religiosas) que estão ao seu redor. A missão é uma só: provar que todos são apenas um. Apesar do reconhecimento dos fãs, a relação com as autoridades locais não são das melhores. 

"Nossos fãs em Israel nos descrevem como os “verdadeiros embaixadores” do nosso país. Somos muito ignorados pelas autoridades na maioria dos casos, mas tudo bem, também não somos grandes fãs deles e criticamos nosso governo muitas vezes". 

A fala, no entanto, faz com que muitas pessoas posicionem a Orphaned Land no espectro político alinhado à esquerda. Em declaração dada ao jornal The New StatesmanKobi, porém, rechaça que a banda pertença a algum "lado". 

"Olha, eu não gosto do atual governo israelense, mas as pessoas cometem o erro de pensar que somos da ala esquerda. Nós não somos. Também não somos da direita. Não gostamos dos políticos e da corrupção deles”.

Ao mesmo jornal, o vocalista também desmistifica a ideia de que ser uma banda de origem judia traga a eles algum privilégio. 

"Ser judeu não é privilégio! Olhe a nossa história. Somos boicotados em todo o Oriente Médio. Temos fãs em Egito, mas não podemos tocar para eles!" 

Por falar em Egito, um episódio triste na história da Orphaned Land é a detenção de um fã por seis meses acusado de satanismo. O crime alegado pelas autoridades egípcias era o individuo possuir em casa CDs da banda. 

Outro momento significativo na trajetória da banda aconteceu em 2011. Na ocasião, a Orphaned Land se apresentou no festival francês Hellfest junto com a dançarina libanesa Johanna Fakhry. Após o show para 90 mil pessoas, Kobi e Fakhry exibiram, respectivamente, as bandeiras de Israel e do Líbano no palco. Os dois países vivem um conflito armado que já perdura há décadas.

Fakhry (à esquerda) com a bandeira do Líbano e Kobi (à direita) com a bandeira de Israel (Foto: Reprodução)

Por conta da iniciativa, Fakhry não pôde retornar ao seu país natal. Em entrevista ao Channel 2 News e reproduzida pelo The Jerusalem Post, a dançarina disse ter atendido um pedido desesperado da família para que ela não retornasse. Além disso, Johanna revelou ter sido hostilizada e ameaçada de morte após a apresentação. No entanto, ela ressaltou não ter arrependimentos. 

"Não me arrependo do que fiz no palco porque minhas ações transmitiam uma mensagem apaixonada de liberdade e paz".

Mas a Orphaned Land não se intimidou e continuou quebrando barreiras. Em 2013, a banda saiu em turnê junto com os palestinos da KHALAS, algo impensável levando-se em consideração todo o contexto geográfico local. 

Esta improvável união entre árabes e judeus é celebrada por Kobi ao relembrar o feito de um fã que tatuou a logo da Orphaned Land no braço. Um árabe com um símbolo israelense.

"O que realmente mudou minha vida foi uma mensagem que recebi de um fã árabe que tinha uma tatuagem de OL no braço (...) e essa mensagem foi como um tapa na nossa cara, algo que eu não poderia imaginar ser possível. Esse cara foi um dos caras mais corajosos que já conheci... um árabe tatuando o logotipo de uma banda israelense? Lembro-me muito bem daquele momento, e sabia qual era a minha missão nesta vida. Foi e ainda é claro para mim, e eu escolho fazê-lo todos os dias desde então".

Se em Israel e nos países vizinhos do Oriente Médio a situação da banda não é das mais confortáveis, Kobi descreve uma cenário bem diferente na Turquia, país com quase 98% da população formada por muçulmanos. 

"A Turquia foi o primeiro país em que tocamos fora de Israel. Ao longo dos anos, recebemos três prêmios da paz (de uma universidade, outro do prefeito de Çankaya, em Ancara, e o último de um dos conselheiros de Tayyip Erdogan). A certa altura solicitamos a cidadania turca, porque amamos o povo e sempre fomos muito bem tratados por todos. A Turquia é facilmente minha segunda casa. Em segundo lugar, eu estava pensando que seria ótimo ser cidadão de um Estado judeu e de um Estado muçulmano".

Além dos prêmios recebidos na Turquia, os fãs da Orphaned Land lançaram uma campanha on-line em 2012 para que a banda recebesse o Prêmio Nobel da Paz.

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Em 2018, o programa de TV alemão Rockpalast, da emissora WDRlançou o documentário mais completo sobre a Orphaned Land até então. Intitulado All Is One, o filme dirigido por Ingo Schmoll e Conry Schiffbauer mergulhou a fundo na história da banda, visitando Israel para acompanhar o dia a dia dos músicos e indo além das discussões sobre os conflitos no Oriente Médio. 

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