Sound Classic: "The Number Of The Beast" - Iron Maiden


Para a indústria fonográfica, 1982 foi ano do Michael Jackson. Em novembro, o Rei do Pop lançou Thriller, um dos discos mais bem sucedidos comercialmente na história da música. Enquanto isso, longe dos holofotes do mainstream, o Iron Maiden surfava na crista da (nova) onda do heavy metal britânico. Em 22 de abril de 1982, chegava às lojas o álbum The Number Of The Beast, um clássico que completa 40 anos. 

MR. AIR-RAID SIREN

Com dois discos na praça - Iron Maiden (1980) e Killers (1981) -, o Iron Maiden começava a se descolar da cena local londrina em busca de voos bem maiores. O aumento de profissionalismo, claro, exigia mais empenho dos envolvidos. Sem sentir que Paul Di'Anno estaria 110% comprometido com as demandas que a banda teria dali para frente, o baixista Steve Harris e o empresário Rod Smallwood entenderam que mudanças eram necessárias. 

Bruce Dickinson em ação com o Samson no Reading Festival '81

Um dos concorrentes do Maiden era o Samson. O vocalista da banda, um certo Bruce Bruce, despertava a admiração de Harris graças à versatilidade e teatralidade no palco. Assim, antes mesmo da demissão oficial de Di'Anno, Rod abordou Bruce no backstage do Reading Festival de 1981. Após uma rápida conversa, uma audição foi marcada em um estúdio em Hackney

"O clima [na banda] era de fadiga. Necessitavam de ânimo. Eu não fazia ideia do que tinha acontecido ou que desentendimentos eles precisavam resolver e, francamente, não me importava. Minha função era cantar e, acima e além do mero canto, criar a visão cinematográfica e musical que tinha em mente.", declarou Bruce.

O cenário descrito pelo novo vocalista logo se dissipou quando a banda começou a tocar. Bastaram três músicas (Killers, Twilight Zone e Wrathchild) para que os sorrisos voltassem e o clima melhorasse no estúdio. A dinâmica vocal de Bruce impressionou seus novos colegas. A partir daí, o ensaio virou uma grande jam com covers de Deep Purple, Black Sabbath e Jethro Tull

>> Ouça aqui a audição de Bruce Dickinson 

"Os tons de todas as músicas [do Maiden] eram bem confortáveis para mim. Minha voz mal era cobrada, de forma que a deixei livre para alguns ornamentos improvisados", completou o sincero vocalista. 

Bruce e Adrian (em pé); Steve, Clive e Dave. (Foto: Michael Putland/Getty Images)

Com a demissão de Paul Di'Anno selada em setembro de 1981, a banda voltou a se reunir para ver como o novo vocalista soaria em estúdio. Após uma rápida reunião entre Rod, Steve, Adrian SmithDave Murray e Clive BurrBruce foi oficializado como frontman do Iron Maiden e passou a adotar o nome que o faria reconhecido mundialmente: Bruce Dickinson

Antes de apresentar o novo vocalista para o público local, o Iron Maiden escolheu a Itália para a estreia dessa formação. Ainda sob o nome de Killers World Tour, os shows aconteceram entre os dias 26 e 30 de novembro passando por Bologna, Roma, Florença, Pádua e Milão. De volta à Inglaterra, a banda tocou no palco do lendário Rainbow Theater, em Londres, e fechou a tour com um show secreto no pub Ruskim Arms, no dia 23 de dezembro de 1981.

SATAN'S WORK IS DONE

Formação nova, vocalista novo e um novo álbum, do zero, para compor. Em janeiro de 1982, o Iron Maiden viveria uma das duas primeiras provas de fogo. Existe no meio da música um entendimento de que o terceiro disco define o futuro de uma banda. Com todas essas variantes, havia um clima de tensão no ar. 

Iron Maiden com o produtor Martin Birch e o engenheiro Nigel Hewitt-Green

"Houve muita pressão. Não só tínhamos um novo vocalista, como não tínhamos material. O primeiro álbum foi como um ‘best of’ das músicas que tocamos durante os primeiros quatro anos da banda. O segundo álbum foi principalmente coisas iniciais também, além de talvez quatro músicas. Quando chegamos ao terceiro álbum, não tínhamos nada. Tivemos que escrever do zero. A pressão ajuda fazer você chegar nas composições, mas você tem que passar pelo inferno para chegar lá", declarou Harris

Ao passo que os ensaios em Hackney foram rolando, a tensão foi diminuindo. Mesmo com pouco tempo - três meses no total para composição, pré-produção, produção, gravação e mixagem [cinco semanas em estúdio], prensagem e lançamento - as músicas foram surgindo. E conforme elas surgiam, ficava evidente que não seria um mero álbum. 

"Lembro-me de ir até a casa de Steve – acho que ele ainda morava com sua avó na época – e ele estava me passando a ideia de The Number Of The Beast. Eu pensei: 'Nossa! Isso é incrível! Isso é realmente diferente!", revelou Smith

Trabalhando novamente com Martin Birch na produção, a banda trocou a sala de ensaios pelo Battery Studios, em Londres, para dar início à gravação do novo álbum, um single e um b-side.

"O estúdio parecia um canteiro de obras. Os vocais foram feitos numa cozinha demolida com reboco úmido ainda secando nas paredes. Havia cerveja à vontade, e uma razoável quantidade de cocaína para aqueles que fossem chegados", relembra Dickinson

A primeira música gravada foi Gangland, uma composição que tem Burr como coautor. Esta seria o b-side para o vindouro single, mas o impacto causado pela pulsante peça foi tamanha que optaram por usá-la no disco. A segunda gravação foi de Run To The Hills. E aí que a banda viu que o patamar havia sido elevado. 

Run To The Hills foi lançado em 12 de fevereiro de 1982. O single caiu imediatamente nas graças do público ocupando o #7 no chart e vendendo mais de 250 mil cópias até os dias de hoje. Para compor o b-side, a banda escolheu Total Eclipse.

Em 22 de março de 1982, o álbum The Number Of The Beast chegava às lojas no Reino Unido. Como em um passe de mágica, o disco ocupou o #1 no chart local e o #33 na badalada lista Bilboard 200, nos Estados Unidos. A partir de então, com o sucesso batendo na porta, a vida dos cinco garotos do East End nunca mais seria a mesma. The fires are burning bright! The ritual has begun, Satan's work is done!

THE BEAST ON THE ROAD

A turnê de divulgação do álbum começou antes mesmo dele ser lançado. Em fevereiro, a banda esteve no palco do Queensway Hall apresentado ao público as novas músicas. O ponto alto foi a apresentação no Hammersmith Odeon, em Londres. Na ocasião, o Iron Maiden registrou o show em áudio e vídeo mas engavetou o projeto. 

[N.R.: Os vídeos da apresentação no Hammersmith Odeon foram inseridos no VHS 12 Wasted Years, em 1987. A versão em áudio chegou ao mercado, em 2002, no box set Eddie's Archive. Por fim, o vídeo foi relançado como bônus no dvd The History Of Iron Maiden - Part 1: The Early Days, em 2004.)

Outra grande novidade foi o Eddie gigante. Inspirado em artistas com pernas de pau, o cadavérico mascote mais famoso do metal passou a desfilar com quase três metros de altura. Além disso, diabos nas extremidades altas do palco agitavam seus tridentes e interagindo com a plateia. Antes de desembarcar na América do Norte, a banda lançou, em abril, o single The Number Of The Beast

Bruce, Steve e novo gigante Eddie

De olho no maior mercado para o entretenimento no planeta, a banda agendou uma extensa turnê pela América do Norte ao lado de nomes como Rainbow, Scorpions, Anvil, Judas Priest Girlschool. Mesmo não sendo headliner em nenhuma das datas, o principal objetivo foi conquistado: o Iron Maiden caiu no gosto do público americano. 

Se com os fãs as coisas iam bem, obrigado, o mesmo não poderia ser dito com relação à conservadora sociedade norte americana. Por conta do excesso de Diabo para lá e para cá, 666 e tudo mais, a banda foi acusada de satanismo e enfrentou protestos que, entre outras coisas, pediam o banimento do Iron Maiden da América e promoviam a queima de cópias do The Number Of The Beast

No meio da tour americana, a banda voltou à Inglaterra para ser headliner no Reading Festival daquele ano. Recebido como herói na terra natal, o Iron Maiden subiu ao palco no dia 28 de agosto ao lado de Gary Moore, Tigers Of Pan Tang, Bernie Tormé (que tocou com Ian Gillan e Ozzy Osbourne) e outros.

(N.R.: A apresentação no Reading Festival também foi lançada em áudio no box set Eddie's Archive.)

De volta aos EUA, os encantos de ter um álbum #1 atrelado aos excessos nas festas pós shows causaram atritos entre Burr e Steve. Mesmo assim a banda voou para o Japão e tocou por lá entre os meses de novembro e dezembro. O que ninguém imaginava é que o show em Niigata, em 10 de dezembro de 1982, seria o último de Clive Burr como baterista do Iron Maiden

Mesmo com a demissão de Burr é possível afirmar que o Iron Maiden viveu o ano dos sonhos em 1982. Novo vocalista, álbum número 1 no Reino Unido, turnê mundial com mais de 180 datas, inserção no mercado norte americano, novíssimo e muito vantajoso contrato com a EMI e melhoria de vida financeira para todos. 

A marcha rumo ao topo havia começado. Mas, antes disso, era necessário encontrar um novo baterista. Só que isto é papo para outro texto...

IRON MAIDEN NO BRASIL 

Enquanto Steve Harris & Cia. assombravam a Europa, América do Norte e Japão, um funcionário da EMI no Brasil iniciava uma solitária batalha junto à gravadora para lançar a banda aqui. A história foi contatada pelo jornalista Ricardo Batalha na edição n° 139 da Roadie Crew

Paulinho Heavy, o funcionário da EMI, descobriu o Iron Maiden enquanto folheava as páginas da revista Cash Box e viu a capa do primeiro álbum da banda. Ao ler o nome da gravadora junto ao anúncio, Paulinho prontamente ligou para o departamento internacional da EMI em busca de informações e recebeu um balde de água fria, pois a companhia não tinha interesse em lançar aquele som "pauleira demais". 

Iron Maiden na capa da SomTrês

Sem se abater, Heavy pediu para que um amigo que iria aos Estados Unidos lhe trouxesse uma cópia do álbum. Para sua surpresa, recebeu não o debut, mas uma exemplar do ao vivo Maiden Japan. Impressionado com o que ouviu, Paulinho entrou novamente em contato com a gravadora. E novamente o balde foi de água fria. 

Como a companhia não ajudava, Paulinho resolveu agir sozinho. Gravou diversas fitas do Maiden Japan e distribuiu para os jornalistas e vendedores (para que estes mostrassem para lojistas). Com o feedbackHeavy bateu novamente na porta da diretoria da EMI pedindo que eles lançassem a banda no Brasil. 

"Achavam que tudo era somente fruto do meu gosto pessoal. Passado algum tempo, o Iron Maiden também colaborou ao lançar The Number Of The Beast e foi justamente aí que o processo se inverteu", declarou Paulinho à revista. 

O sucesso do álbum na Europa e Estados Unidos fez com que a EMI colocasse na mesa de Heavy tudo o que ela tinha disponível sobre a banda. Mas isto não foi suficiente para sacramentar o lançamento de The Number Of The Beast no Brasil. Para tal, Paulinho deveria emplacar uma crítica positiva do disco na revista SomTrês e que uma música fosse tocada no Programa Rock Sandwich, na dio Excelsior

Paulo Ricardo e Bruce Dickinson 

Inquieto, Paulinho Heavy foi à luta e conseguiu uma matéria sobre o Iron Maiden na SomTrês (assinada por ninguém menos que Paulo Ricardo, famoso pelo RPM) e que uma música fosse tocada no rádio. A partir daí a história estava sendo feita. 

The Number Of The Beast vendeu 100 mil cópias no Brasil em pouco mais de seis meses e cogitou-se trazer a banda para receber o Disco de Ouro no programa do Chacrinha. Segundo Paulinho Heavy, o Iron Maiden só não veio ao Brasil naquela ocasião por conta da demissão de Clive Burr

...

Uma das histórias mais interessantes na órbita do The Number Of The Beast é com relação à capa. Lançado em junho de 1981, o single Purgatory, do álbum Killers, trouxe uma representação do Diabo que depois foi amplamente explorada no ciclo TNOTB e seus respectivos singles. A pergunta que ficou era: o conceito artístico estava pronto antes do disco? A arte não era inédita e foi reaproveitada? 

Em declarações posteriores, Rod Smallwood afirmou que a arte de TNOTB seria originalmente usada no single Purgatory. Ou seja, ela já existia. No entanto, todos acharam a arte boa demais e ela foi guardada para um futuro álbum. E aí entra uma nova questão: o conceito lírico da faixa-título foi desenvolvido por conta da capa? 

Ainda de acordo com Smallwood, não. Segundo o empresário, só depois que Harris veio com a ideia da música é que eles viram que aquela arte serviria como capa do disco.  

Além disso, a imagem do Diabo com língua bifurcada, cabelo e afins foi inspirada no pintor surrealista espanhol Salvador Dalí. “O Diabo deveria se parecer com Salvador Dalí, mas não consegui fazer um bom desenho a tempo”, escreveu Derek Riggs no derekriggs.com

...

REFERÊNCIAS 

- Bruce Dickinson. Uma autobiografia: Para que serve esse botão? 

- Martin Popoff. Iron Maiden: álbum por álbum (compre aqui)

- Martin Popoff. Where Eagles Dare: Iron Maiden nos anos 80 

- Mick Wall. Iron Maiden: Run To The Hills - a biografia autorizada (compre aqui)

- Ricardo Batalha. Revista Roadie Crew n° 139

- Stjepan Juras. The Number Of The Beast: um clássico do Iron Maiden (compre aqui)

Comentários